quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Adriana Calcanhotto, cantora brasileira

“A voz de Adriana, empurrando a tarde...”
(Ondjaki)


e a voz de Adriana tomou a sala
da gente mal educada que enquanto
ela cantava cochichava sobre o seguro
do carro e brincava com as telas
dos celulares pois não se contentava
com o miado metálico que ela, diva,
desde o tempo que criara Enguiço,
ao fim dos refrãos aprimorava
alheia a quem lhe roubava a imagem.

e a voz de Adriana (que não me conhece
nem nunca leu-me de perto ou mesmo
seu timbre de manga quando fala
umedeceu meu nome ao telefone):
“É, Sidnei, não sei quem és, de onde vens.
Não sei que encontras na minha voz
que tuas tardes de verso e vinho
se assentem como acentos nessas sílabas
em si frágeis, nebulosas e finitas.”

pois, de ouvidos deitados sobre o balcão,
sem lhe ver os olhos celestes ou as dobras
do vestido verde e a luz recolorindo-a
a cada música, apesar da mísera fagulha
de Adriana que me chegava à espinha
pela garganta elétrica dos microfones,
passava então em minha cabeça
quase que naturalmente
recebê-la em meu apartamento

para retribuir-lhe em poemas ou um brinde
oferecer por cantar em vinis e cds
desde os anos noventa quando então
Adriana dourava os cabelos com a cor
que eu pensava ser própria de estrelas

que ela nunca quis ser porque é sereia.

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